Para não esquecer a História
J.-M. Nobre-Correia
Quando se volta ao Fundão, muitos anos
depois, uma característica surpreende : a ausência de História. Ou melhor : a
ausência de referências à sua história. As placas com os nomes das ruas não
explicitam nada. E poucos saberão explicar quem era o ilustre personagem que
deu nome a tal ou tal rua. Pior que isso : os monumentos ligados à sua história
são perfeitamente inexistentes.
Houve, é certo, essa iniciativa que fez de
Martim Calvo o “povoador” do Fundão : estranha iniciativa e ainda mais estranho
monumento que já teve de mudar de lugar e se encontra agora num sítio perdido.
E está anunciada uma estátua de António Paulouro na Praça Velha, merecida
homenagem a um homem que marcou a história do Fundão da segunda metade do
século XX.
A leitura tardia da obra da prof. Maria
Antonieta Garcia, Inquisição e
independência, um motim no Fundão – 1580 *, leva a considerar que é
absolutamente inacreditável que a cidade não preste homenagem ao personagem
central de um momento alto e único da história do Fundão. No mínimo, não
deveria(m) a Câmara Municipal ou/e a Junta de Freguesia mandar(em) colocar uma
lápide no Largo Alfredo da Cunha em que ficasse escrito : “A Estêvão de
Sampaio, vereador do Fundão, e aos seus companheiros que em 22 de
Novembro de 1580 se bateram pela autonomia da vila, defenderam a liberdade
religiosa e os cristãos-novos, e se opuseram ao obscurantismo e à repressão da
Inquisição. Homenagem do povo fundanense”.
Mas já que evocamos o Largo Dr. Alfredo da
Cunha : não será intolerável que o segundo director do Diário de Notícias (de 1894 a 1919), jornal que marcou a história
da imprensa nacional nos séculos XIX e XX, não seja mais seriamente homenageado
pela terra onde nasceu ? Tanto mais que Alfredo da Cunha exerceu outras altas
funções, nomeadamente a de director da Sociedade de Geografia. Haverá quem diga
que o facto de dar o seu nome a uma praça central da cidade constitui já uma
bela homenagem : e é verdade. Mas Alfredo da Cunha não mereceria que se
erguesse um monumento de estatuária em que o Fundão manifestasse o seu orgulho
em tê-lo tido como filho ?
Com a lápide em homenagem a Estêvão de
Sampaio e o monumento a Alfredo da Cunha, o largo da Igreja Matriz passaria a
ser mais do que nunca um ponto central da cidade e um lugar carregado de
História…
Texto publicado no Jornal do Fundão
de 22 de julho de 2010, p. 10
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Este texto merece um primeiro
complemento de informação : muitos anos antes da prof. Maria Antonieta Garcia
falar do “motim no Fundão”, já o juiz-desembargador José Alves Monteiro evocara
o dito acontecimento sob o vocábulo de “alvoroço” numa das suas publicações.
Segundo complemento de
informação : mais de quatro meses tempo depois da publicação do artigo acima
transcrito, enderecei em 12 de dezembro de 2010 aos então presidente e vice-presidente
da Câmara Municipal do Fundão o correio seguinte :
“Em 22 de Julho último, publiquei no Jornal do Fundão um artigo (“Para não
esquecer a História”) de que junto envio cópia do original.
Com uma
certa surpresa minha, este texto suscitou diversas manifestações de apoio e
simpatia nos dias que se seguiram, por parte de conterrâneos de meios sociais
bastante contrastados.
Talvez
porque o auge do verão e das férias grandes não seja o momento mais propício
para chamar a atenção da presidência da Câmara Municipal do Fundão e dos seus
vereadores, o facto é que as propostas feitas no dito artigo não tiveram, que
eu saiba, o mínimo eco em reuniões posteriores do executivo camarário…
Se me
permito escrever-lhe hoje, Senhor Presidente, não é de modo algum para
sublinhar uma qualquer importância especial do artigo que escrevi. Trata-se sim
de interceder junto do Senhor Presidente e da vereação da CMF para que sejam
tomadas em consideração as duas propostas que nele faço.
Uma primeira proposta consiste em colocar
uma lápide no Largo Alfredo da Cunha
em que poderia ficar escrito : “A Estêvão de Sampaio, vereador do Fundão, e aos
seus companheiros que em 22 de Novembro de 1580 se bateram pela
autonomia da vila, defenderam a liberdade religiosa e os cristãos-novos, e se
opuseram ao obscurantismo e à repressão da Inquisição. Homenagem do povo
fundanense”.
A segunda proposta procura prestar homenagem
a Alfredo da Cunha, que foi nomeadamente
director do Diário de Notícias (de 1894
a 1919) e director da Sociedade de Geografia, erguendo um monumento de estatuária em que o Fundão manifestasse o seu orgulho
em tê-lo tido como filho.
Terminava
eu assim o artigo publicado no Jornal do
Fundão : “Com a lápide em homenagem a Estêvão de Sampaio e o monumento a
Alfredo da Cunha, o largo da Igreja Matriz passaria a ser mais do que nunca um
ponto central da cidade e um lugar carregado de História”.
Permito-me
pois, Senhor Presidente, submeter a V. Ex.a e à vereação que V. Ex.a preside
estas duas propostas. E, como fundanense, ser-me-ia particularmente grato se o
executivo municipal as acolhesse positivamente.
Grato pela
atenção dispensada, apresento-lhe, Senhor Presidente, os meus melhores
cumprimentos.”
Como é prática habitual do executivo
municipal, este correio não deu direito a qualquer acusado de receção. E nenhum
seguimento foi dado às propostas que nele figuravam.
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Em janeiro de 2012, o
presidente da CMF decidiu retirar-se do cargo e o antigo vice-presidente passou
a assumir a presidência. Em reuniões que tiveram lugar em 7 de dezembro de
2011, em 3 de agosto e em 5 de novembro de 2012, o novo presidente garantiu que,
em homenagem a Estêvão de Sampaio e aos seus companheiros do alvoroço/motim de
1580, uma lápide seria descerrada em 22 de novembro desse ano. Na anunciada
data, nada se passou. E nada se passou na mesma data do ano seguinte…
Quanto a Alfredo da Cunha e ao seu 150°
aniversário, um colóquio, um livro/brochura e uma cerimónia da homenagem foram
programados. E, em 28 de dezembro de 2012, o presidente da CMF anunciou mesmo que
se inseririam os dois primeiros nas comemorações do 25 de Abril em 2013 e a
cerimónia de homenagem para o próprio dia do aniversário, em 21 de dezembro de
2013. Nada porém se passou nas datas anunciadas…
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O Fundão continua assim alheio à sua própria
história e nomeadamente ao que de mais glorioso nela marcou a própria história
de Portugal…