Um olhar estrangeirado


J.-M. Nobre-Correia

Não se vive impunemente dois terço de uma existência num país diferente daquele em que se nasceu, a uns dois mil quilómetros de distância, sem que o olhar que se lança sobre uma e outra sociedades seja necessariamente estrangeirado.
À escala do planeta, dois mil quilómetros não são quase nada. E, no entanto, a história das duas sociedades em questão é totalmente diferente. Da mesma maneira que essas sociedades se caraterizam por funcionamentos da vida social, política e cultural bastante diversos.
Daí que a postura do exilado, primeiro, e do retornado, depois, tenha sido sempre marcada por uma atitude “décalée”. Sobretudo se, por sensibilidade própria e até por “dever” profissional, se olha para a sociedade em redor (os média, a política, a cultura…) numa perspetiva europeia, sendo a Europa concebida como a entendia Henri Mendras :
"Pour aller rapidement au centre de mon argument, je proposerai donc de sépa­rer, dès l'abord, l'Europe occidentale de l'“Autre Europe”, en empruntant ce mot à Czeslaw Milosz (1964). Il est vrai que pour lui la Russie était encore un autre monde, ici je réunirai sous ce terme tout l'Est de l'Europe, et j'établirai la coupure entre les deux, à la frontière exacte où est tombé le rideau de fer en 1948, à deux “erreurs” près, l'Allemagne de l'Est et la Bohème qui, bien évidemment, font partie de l’Europe occidentale. Autrement dit les marches orientales de l'Empire de Charlemagne (814) et de l'Empire des Hohenstaufen (1250) : la ligne Oder-Neisse, la frontière qui vient d'être rétablie entre la République tchèque et la Slovaquie, poursuivie par la frontière entre l'Autriche et la Hongrie, puis en retour vers l'Adria­tique, en englobant la Slovénie, qui n'a jamais été ottomane" [1].
Um olhar estrangeirado traduz inevitavelmente uma visão minoritária. Até porque a escrita é antes do mais fruto de gente com uma abordagem cultural e uma experiência de vida puramente nacionais e muitas vezes até nacionalistas, para não dizer patrioteiras.
Se Notas de Circunstância (tout court) é concebida como uma revista mensal em linha de caráter globalmente cultural, com um vasto leque de colaboradores, voltada antes do mais para as gentes e as temáticas da Beira Interior, Notas de Circunstância 2 será um bloco-notas sem periodicidade, escrito ao sabor da atualidade e da vontade de intervir nessa atualidade…



[1] H. Mendras, L'Europe des Européens, Paris, Gallimard, 1997, pp. 9-10.

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