As prioridades da tribo
J.-M. Nobre-Correia
Hierarquização : Quando a “classe” jornalística dá o sentimento de fazer jornais da
“classe” para a “classe”, privilegiando os centros de interesse da “classe”…
Estamos assim. Mas
Portugal não constitui uma exceção. Só que, por cá, as coisas tomam uma
dimensão altamente exagerada. Porque, nos outros países europeus, e
nomeadamente nos mais vizinhos, a demarcação entre média “de referência” e
média “populares” continua a ter pertinência. Mas, neste país, as linhas de
demarcação saltaram e vive-se num magma em que tudo vale tudo. Ou quase…
O princípio do que
se poderá chamar o fator “entourage” é simples : acontecimentos ou gestos,
anódinos ou fúteis, que dizem respeito a próximos de personalidades de alto
nível — próximos pelas relações pessoais, familiares ou profissionais — têm
grandes chances de vir a ser temas de informação. Toma-se assim conhecimento
que o pai de tal cantor célebre foi preso, que o filho de tal presidente dos EUA
está desempregado, que o motorista de tal presidente da República francesa casou,
que o filho de tal ator de cinema é objeto de uma ação em justiça, que o
ex-marido de tal ministra belga foi preso…
Só que a
importância que lhes é dada é bastante diferente dos médias “populares” para os
“de referência”. Os primeiros vão jogar no sensacionalismo, na emoção. Não
hesitando em mergulhar na vida privada do sujeito, dos familiares e amigos. Sem
grande respeito por deontologias ou éticas. Enquanto que os média “de
referência” consideram que o que diz respeito a indivíduos de segundo plano,
sem peso social, pertence ao domínio privado e não deve ser levado a público.
No máximo merecerá uma “breve”, dada a sua não-incidência na vida dos cidadãos.
No caso do
acidente de que resultou a morte de um jovem desconhecido, filho de uma
jornalista de televisão, os média “nacionais” perderam toda a noção de
hierarquização da atualidade. Em graus diferentes. Mas todos jogaram no
sensacionalismo e privilegiaram a vida da tribo jornalística. Até na primeira
página ! Quando, para dar um só exemplo, a crise do BES terá graves
consequências sobre a vida dos portugueses. Mas que interessa isso à classe
dominante da tribo ?…
Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 5 de julho de 2014, p. 45.