A rajada de vento que passa
J.-M. Nobre-Correia
Diários : Manifestamente, esta “rentrée” anuncia-se bastante agitada. Sê-lo-á
suficientemente para fazer sair os jornais do triste marasmo em que se encontram ?…
Num país onde os
diários são raros, quatro mudaram ou vão mudar de direção por estes dias. Uma
rajada de vento sacode pois a imprensa escrita. E é tanto mais forte quando
atinge três diários generalistas e um desportivo ditos “nacionais”. Ora, a
imprensa portuguesa encontra-se num estado miserável, na cauda da Europa em
termos de vendas, de penetração social. Situação de que urge sair antes de um
possível colapso final.
Haverá
quem se interrogue sobre a questão de saber se esta situação é fruto do
jornalismo praticado ? Ou é este bastante insatisfatório porque as vendas são
reduzidas e, por conseguinte, as redações não dispõem dos meios para praticar um
jornalismo de qualidade ? Eterna história da galinha e do ovo… Só que neste
caso, as iniciativas com vista a procurar sair desta situação de marasmo terão
que vir antes do mais dos próprios jornais. Começando obrigatoriamente pelos
aspetos editoriais.
Nesta
matéria, a urgência das urgências é definir um público-alvo. Em consequência do
qual há que conceber um projeto editorial adequado. Projeto que, hoje em dia,
tem que ser construído segundo duas vertentes : a edição digital e a edição em
papel. Estabelecendo a devida complementaridade entre elas. Mas acentuando a
especificidade de cada uma.
Há
depois que elaborar um livro de estilo (geralmente inexistente, ultrapassado ou
ignorado). Porque cada jornal tem que ter a sua personalidade própria.
Definindo claramente, por exemplo, a função da crónica (para evitar o umbigocentrismo
e a fulanização), da entrevista (para não cair em conversas intermináveis e compinchistas),
da reportagem (que deve relatar o que foi visto e ouvido, e não transformar-se
em editorialismo de sabichão-novo), da análise (sólida, sintética, obra de
autêntico especialista). Sem esquecer as essenciais políticas de titulação, de
ilustração, de escrita e de hierarquização da informação. Depois, depois, há
que rever a comercialização dos jornais, adaptando-a razoavelmente ao poder de
compra dos cidadãos…
Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 6 de setembro de 2014, p. 42.