Revolução e vassalização
J.-M. Nobre-Correia
Netflix : De média que reunia vastos públicos e contribuía para uma certa coesão
social, a televisão passa a ser um sério fator de fragmentação…
Estes primeiros
anos do terceiro milenário ficarão na história como os de uma gigantesca revolução
no sector do média. Os de uma imprensa diária gratuita que desabrochou, floriu
e largamente murchou em poucos anos. De jornais a pagamento que perderam
vertiginosamente compradores nas edições em papel e alargaram consideravelmente
as audiências nas edições digitais. De uma rádio cujos suportes de difusão e
condições de escuta mudaram profundamente. E de uma televisão que está a dar
passos largos na transformação radical da sua própria sociologia.
Esta semana, precisamente,
o início de atividade de Netflix em seis novos países europeus marca uma etapa
importante na paisagem audiovisual. Empresa estado-unidense que, em 1997, expedia
DVDs aos assinantes e que passou a pô-los à disposição em fluxo contínuo quando
a tecnologia da internet o permitiu. Os assinantes (que são hoje 35 milhões só
nos EUA) passaram a poder aceder a um gigantesco arquivo de filmes e de séries
televisivas.
A televisão com
uma programação imposta pelo emissor perde assim terreno em favor de uma
televisão a pedido, concebida pelo espectador, em termos de conteúdos como de
horários. Uma personalização do consumo, dos centros de interesses, que não
deixa de acentuar uma tomada de distância em relação ao viver juntos e à coesão
social.
Mas Netflix
acentuará ainda a dominação dos estúdios estado-unidenses na produção
cinematográfica e televisiva proposta aos cidadãos europeus. Com uma agravante
em países como a França onde as televisões são obrigadas a propor uma
programação de origem europeia a 60 %, dos quais 40 % francesa. Mas também a contribuir
com uma parte das receitas para a produção cinematográfica. Obrigações de que
Netflix fica dispensada, tendo estabelecido a sede fiscal nos Países Baixos !
Ou quando uma União Europeia, de mero mercado comum, se fragiliza e vassaliza
culturalmente… O que será ainda mais notório quando Netflix se instalar na
Europa do sul, nomeadamente em Portugal, em 2015-2016…
Texto publicado no Diário de Notícias, Lisboa, 20 de setembro de 2014, p.xx.