A alternativa possível
J.-M. Nobre-Correia
Para o mediólogo, professor emérito da Université Libre de Bruxelles, a RTP não tem conserto possível. Há pois que encerrá-la…
Para quem frequentou diariamente rádios e
televisões públicas europeias, é chocante a descoberta da RTP longos decénios
depois. As emissões são consternadoramente medíocres, feitas de “diretos”,
palavreado barato e “chouriços” para encher a antena. A informação constitui um
atentado à inteligência humana, privilegiando “faits divers”, futebol e “partidarice”
política, escamoteando quase todo o resto. Enquanto que produção própria, gravação
e montagem, construção sonora ou vídeo, reportagem e documentário, hierarquização
da informação e grelha de programação, praticamente não existem.
Como se isto não bastasse, rádio e televisão
públicas vivem numa eterna instabilidade financeira, política e editorial. Sem
que, em quarenta anos de democracia, sucessivos governos tenham conseguido
resolver esta situação endémica. Até porque, no caso da televisão, nunca houve
uma conceção de serviço público, nascida que foi a RTP como empresa comercial
privada em que a publicidade e demais patrocínios marcaram o seu ADN. Enquanto
que a RDP, integrada desastradamente na RTP, foi arrastada pela “cultura”
comercial da televisão.
Há que render-se à evidência : os erros acumulados
fazem que a RTP não tenha conserto. Urge pois encerrá-la. E preparar
cuidadosamente a criação de uma nova rádio e de uma nova televisão públicas
autónomas. Até porque a história dos média mostra que, quando reunidas numa
instituição única, a rádio é sempre desfavorecida em meios humanos, técnicos e
financeiros. E a televisão é sempre privilegiada, sendo os mais diversos grupos
de pressão sensíveis à sua maior audiência e ao seu impacto social.
Para preparar as duas novas instituições, há que
constituir um pequeno grupo de trabalho capaz de elaborar estatutos,
organigramas, grelhas, livros de estilo, instruções sobre hierarquização e
tratamento da informação, sobre prioridades em matéria de programação e de
divertimento. Este restrito grupo de trabalho deveria ser constituído por
antigos altos responsáveis de rádios e televisões públicas de países como a
Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, onde a noção de serviço público está
historicamente enraizada.
Num segundo tempo, deveria proceder-se ao
recrutamento de pessoal competente nas diferentes áreas. Pessoal selecionado em
concursos públicos adaptados às diversas exigências técnicas. E, no caso dos
jornalistas, por exemplo, procedendo a quatro provas eliminatórias de
conhecimento aprofundado em língua portuguesa, cultura geral, teoria da
informação jornalística e prática jornalística. Modelo a adaptar aos outros especialistas
das duas instituições. Concursos presididos por profissionais de indiscutível
competência dos mesmos três países europeus ou de outros da Europa ocidental do
Norte, de modo a evitar pressões e compadrios.
Não havendo tradição de serviço público em
Portugal, há que recorrer a profissionais das melhores instituições da União
Europeia. Cada vez mais grupos de média privados e públicos contratam aliás profissionais
estrangeiros. E esta parece ser a hipótese mais realista para conceber a nova
rádio e a nova televisão de serviço público de que o país tanto precisa. Para
que não continuemos a sentir-nos envergonhados com as que temos…
Texto publicado no semanário Expresso, Lisboa, 3 de janeiro de 2015, p. 29.