Se houvesse de facto democracia…
J.-M. Nobre-Correia
Política : O estrondoso resultado do referendo na Grécia abre uma semana crucial nos
destinos da União Europeia. Resultado de que há que tirar todas as consequências
em termos de funcionamento interno…
Suponhamos que a União Europeia era uma verdadeira
construção democrática. E não uma democracia de fachada, puramente formal.
Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, deveria ter tido a decência de
anunciar a sua demissão, uma vez conhecido o resultado estrondoso do referendo
grego. E, não tendo esta decência, os parlamentares europeus unânimes, ou pelo
menos na sua grande maioria, deveriam exigir tal demissão. Pela boa e simples
razão que Schulz fez nestes últimos dias, e ainda no próprio dia do referendo
na Grécia, declarações inadmissíveis, de um antiparlamentarismo primário.
E mais : os mesmos parlamentares europeus deveriam
pedir a Jean-Claude Juncker e a Pierre Moscovici que se demitissem. Ou que, em
caso de recusa, viessem, no mínimo, explicar aos eleitos do povo as razões que
os levaram a repetidas atitudes de arrogância com os representantes de um
governo grego democraticamente eleito. Devendo um voto dos parlamentares
europeus sancionar comportamentos autoritários inadmissíveis com os
representantes de um país soberano.
Mas, desenganemo-nos ! : a grande maioria dos
profissionais da política consideram a política como o meio mais fácil para
ganhar bem a vida e usufruir de vantagens a que o comum dos cidadãos não tem
acesso. E para conservarem tais regalias estão prontos a tudo, a todas as
volte-faces, a todas as renegações, se necessário for. Admirem-se depois que as
eleições para o Parlamento Europeu atinjam tais baixos níveis de participação.
E que, para além dos eurocratas e demais profissionais da política em Bruxelas,
Estrasburgo ou Luxemburgo, os cidadãos europeus sejam largamente indiferentes
aos destinos da União Europeia !
A derrota esmagadora infligida pelos eleitores
gregos às instituições europeias lideradas por apparatchiks cortados das
realidades sociais dos cidadãos deveria abrir portas a uma refundação da União
Europeia. Uma União Europeia mais preocupada com o bem estar dos cidadãos e a
justiça social, e menos servil perante os interesses de grandes grupos
económicos e de lóbis dos mais diversos “corporatismos”. Uma União Europeia em
que a Alemanha não possa pretender afirmar-se como novo potentado “über alles”,
e conseguir pela economia o que não conseguiu com duas guerras, nem a Grécia
ser tratada como nação menor de segunda ordem, fatalmente ocupada. De modo a
que a dita União Europeia não venha a soçobrar num desmembramento acelerado do
que constitui nos anos 1950 um grande e ambicioso projeto de paz e de progresso
para os cidadãos europeus…