Uma iniciativa nada inocente...


J.-M. Nobre-Correia
Média : Maria de Belém Roseira escolheu o momento em que António Costa era entrevistado na Sic para anunciar a sua intenção de se candidatar à Presidência da República. O que é estrategicamente significativo…

A lista dos exemplos poderia ser longa. Limitemo-nos porém a recordar aqui um só, célebre, que data de há quase um quarto de século : em 16 de março de 1981, em vésperas de eleições presidenciais de 26 de abril e 10 de maio, François Mitterrand, primeiro secretário do Partido Socialista francês, é o convidado anunciado da prestigiosa emissão de televisão “Cartes sur table”, na Antenne 2 (futura France 2). O presidente da República Valéry Giscard d’Estaing consegue então contrariar o impacto de tal emissão na imprensa do dia seguinte, convidando no mesmo dia catorze diretores de diários de província ao Eliseu e dando-lhes uma entrevista. Consequência desta iniciativa de Giscard d’Estaing : a imprensa do dia seguinte partilha de facto primeiras páginas e páginas de política interior entre as declarações dos dois, em vez de, como era justamente previsível, dar sobretudo importância à entrevista de Mitterrand, o concorrente mais direto do então presidente.
Nos manuais das escolas de jornalismo [1], ensina-se aos estudantes a função destes acontecimentos que não têm nada de espontâneo e são criados numa perspetiva de pura estratégia mediática. A fim de procurarem atenuar o impacto de uma informação desfavorável e/ou escamotear um verdadeiro acontecimento que não deixará de ter efeitos potencialmente negativos.
Ora, na quinta-feira 13, em entrevista concedida ao magazine Visão, António Costa afirmava a propósito da futura campanha presidencial : “Nesta altura já há um candidato assumido e próximo da família socialista […] que é o prof. Sampaio da Nóvoa, uma pessoa pela qual tenho muita estima”. E foi este mesmo Costa que, eleito secretário-geral do Partido Socialista em novembro passado, fez que Maria de Belém Roseira tenha deixado de ser presidente do partido. E o mesmo ainda que, na segunda-feira 17, ia dar uma grande entrevista à Sic. Para Roseira havia pois que atenuar o impacto da entrevista à Visão e procurar escamotear as repercussões que a entrevista à Sic não deixaria de ter na internet e na imprensa do dia seguinte…
Os títulos de primeira página dos cinco diários generalistas “nacionais” põem efetivamente bem em evidência o resultado desta estratégia mediática. Correio da Manhã : “Belém avança contra cerco do PS”. Jornal de Notícias : “Belém anuncia candidatura com Costa na televisão”. Público : “Maria de Belém colecciona novos apoios dentro do PS”. Diário de Notícias : “Manuel Alegre : ‘Eu apoiarei Maria de Belém’”. I : “Maria de Belém avisou Costa de manhã e anunciou à tarde”. O acento é marcadamente posto na decisão de Roseira (…tratada apenas pelo nome próprio ou mesmo por parte do nome próprio !), sendo a entrevista de Costa totalmente escamoteada. O que põe bem em evidência a prática jornalística que domina nos média portugueses, mais sensível às golpadas e às perspetivas de futuro duelo, do que à informação de fundo sobre possíveis alternativas sociais e económicas para o pós-eleições…
Venham depois dizer-nos que o Partido Socialista é uma grande família em que todos se adoram e são incapazes de malvadezes para com o partido e o seu secretário-geral ! Mitterrand, apesar da malvadez tática de Giscard d’Estaing (…que não era do mesmo partido, mas antes do campo oposto), foi eleito presidente da República e conseguiu eleger uma maioria parlamentar socialista-comunista-radical de esquerda. Mas no que resultará a guerra aberta que medra no PS e a tática mediática vingativa de Roseira ? À primeira vista, a máquina de perder não só está em marcha [2] como lhe aceleraram agora seriamente o ritmo…



[1] J.-M. Nobre-Correia, Théorie de l’Information journalistique, 21a edição, Bruxelas, PUB, 2010, p. 132.
[2] Ver a este propósito J.-M. Nobre-Correia, « A máquina de perder está em marcha ! », in Notas de Circunstância 2, 13 de agosto de 2015.

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