As viragens prováveis
J.-M. Nobre-Correia
Política : Tudo leva a crer que as eleições de domingo marcarão a história portuguesa
contemporânea. Porque anunciarão o fim de uma prática governamental ou o seu
aprofundamento. Com o que isto supõe de inevitáveis redefinições…
O próximo fim de semana tem grandes probabilidades
de vir a constituir um marco na vida política portuguesa. Pelas razões mais
diversas. Começando pelo nível de participação no ato eleitoral. Que este nível
venha a ser inferior ao das precedentes eleições e isso significará que os cidadãos
acreditam cada vez menos nos partidos e no pessoal político. Mas se for mais
alto, isso traduzirá uma mobilização que terá que ser posta em relação com os
resultados : exasperação em relação à política governamental nos últimos quatro
anos ; ou desejo de continuidade e receio em relação a uma possível
alternância.
O prosseguimento do novo
PREC
Durante a campanha eleitoral, e mesmo antes dela,
a coligação PSD-CDS jogou a fundo esta carta do medo em relação a um possível
regresso do PS ao poder. E caso esta estratégia, aliada a uma ausência de
propostas de programa para o futuro, vier a resultar, isso significará que o
processo de reconquista em curso (o PREC deles) se acentuará. Destruindo mais
desveladamente o que resta do Estado social, nos sectores da saúde, da educação
e da segurança social. E, embora a adopção das estruturas políticas do antigo
regime seja impossível, a União Europeia dificilmente a aceitaria [1],
iniciando o regresso cada vez mais concreto à sociedade do antigamente com as
suas gigantescas desigualdades e enormes injustiças sociais. Porque, no PSD
como no CDS, as correntes dominantes sonham com desforra e reconstituição das
estruturas socioeconómicas de antigo regime.
Nesta perspetiva de cenário, que implica a derrota
do principal partido da oposição, o PS atravessará provavelmente um período de
convulsões internas. Primeiro porque toda uma corrente dentro do partido não
esqueceu as condições impulsivas de bota-abaixo em que o atual líder substituiu
o precedente líder e não deixará de querer ajustar contas. Mas também porque o
PS terá inevitavelmente que proceder a redefinição do seu posicionalmente no
arco dos partidos com assento parlamentar e do seu relacionamento com as
formações políticas situadas à sua esquerda. Levando-o a interrogar-se sobre a
rejeição que tem sido a sua desde 1974-75 em relação às outras organizações de
esquerda, operando o necessário deslocamento do ponto fulcral de sua ação, de
modo a sair de uma recorrente situação de governos minoritários, desprovidos de
aliados potenciais.
Na hipótese em que o PS, embora minoritário, venha
a ser o primeiro partido na Assembleia da República (até porque, até nova
ordem, a coligação eleitoral PAF é construída por dois partidos), outros
cenários se apresentarão. A reedição de governos de coligação com o CDS (em
1978) ou com o PSD (em 1983-85) parece hoje dificilmente concebível, mas não
impossível, toda uma corrente dentro do PS encara esta hipótese como a mais viável
e garante de estabilidade. Mas isso anunciaria quase inevitavelmente uma futura
decadência eleitoral do PS, à maneira da que atravessou os partidos-irmãos na
Grécia e na Grã-Bretanha e parece anunciar-se de certo modo em Espanha e na
França.
A redefinição de
posicionamentos
O outro cenário possível, nesta mesma hipótese de
um PS minoritário mas primeiro partido na Assembleia da República, seria a de
procurar alianças, se não governamentais, em todo o caso parlamentares com (as)
formações situadas à sua esquerda. Obrigando o PS a concessões e compromissos
sérios, e o BE e o PCP a assumirem responsabilidades, saindo de uma eterna
oposição “protestatária”, puramente “tribuniciana”. Não esquecendo que, após a
rejeição do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC 4), em março de 2011,
não poderão desta vez renovar a “aliança objetiva” com o PSD-CDS e inviabilizar
a alternância de um governo PS, quando o governo de direita a que tal rejeição
abriu portas praticou a política social, económica e cultural particularmente dura
que se sabe.
Dito de outra maneira : se os líderes do PSD e do
CDS jogam este fim de semana os seus destinos pessoais, o mesmo acontecerá mais
certamente com o líder do PS. Mas, ao contrário do que poderá acontecer com os
dois partidos da direita, o PS joga a sua viabilidade futura de grande partido
parlamentar. Enquanto que, à sua esquerda, é a capacidade mesma de intervenção
concreta nos destinos da nação que será posta em causa, entre protestação
idílica e governação assumida, na sociedade civil como na administração pública.
Pelo que, este domingo e durante a próxima semana, a esquerda não poderá deixar
de se interrogar sobre o seu estatuto regular de maioria eleitoral incapaz de
assumir responsabilidades no plano governamental [2].
Deixando assim as portas grande abertas a uma direita que, ela, sabe negociar
alianças entre as suas principais componentes…
[1] As certezas nesta matéria são porém cada
vez menos grandes, a atitude da União Europeia em relação aos governos de
Silvio Berlusconi na Itália, de Wolfgang Schüssel na Áustria e agora de Viktor
Orbán na Hungria permitindo que se duvide de tais certezas em matéria de
princípios democráticos…
[2] Ver a este propósito J.-M. Nobre-Correia,
« As incertezas da evidência », in Notas de Circunstância 2, 30 de dezembro de 2014 ;
J.-M. Nobre-Correia, « Prólogo de uma
crise anunciada », in Notas de
Circunstância 2, 27 de fevereiro de 2015 ;
J.-M. Nobre-Correia, « A esquerda
mais inapta », in Notas de Circunstância
2, 26 de março de 2015 ;
J.-M. Nobre-Correia, « A máquina de
perder está em marcha ! », in Notas
de Circunstância 2, 13 de agosto de 2015.