Amálgamas que impedem de ver claro
J.-M. Nobre-Correia
Média : Quando os defensores daquilo que consideram ser um jornalismo de qualidade
manifestam solidariedades estimáveis, mas fazem processos de intenção que são
teoricamente inadequados…
Anda por aí uma grande agitação nas
chamadas redes sociais ! E isto porque vários cronistas (“colunistas” como se
diz em português traduzido do inglês) têm sido dispensados, uns atrás dos
outros, por novas direções de jornais. Como já acontecera antes por ocasião da
entrada em funções de outros novos diretores.
É sempre desolador quando jornalistas do
quadro ou jornalistas permanentes avençados são despedidos pelos média. Que
mais não seja porque é esse o ganha pão deles. E a extremamente circunscrita
paisagem mediática portuguesa não lhes garante que consigam arranjar de novo
emprego na mesma área. Ainda menos quando a situação financeira dos média é
globalmente bastante crítica, como é o caso atualmente.
Por outro lado, é trágico ver
profissionais arredados de uma profissão em que muitas vezes se lançaram
persuadidos de irem cumprir uma missão. Convencidos que a sociedade iria
funcionar um pouco melhor graças à contribuição deles como jornalistas.
Enquanto que do outro lado, leitores, ouvintes, espectadores ou internautas
ficam geralmente confrontados a jornais mais ligeiros, menos consistentes, os
jornalistas despedidos não sendo na maior parte do casos substituídos por novos
contratados.
Este sentimento de sincera comiseração
para com os jornalistas despedidos não toma caraterísticas idênticas quando se
trata de despedimentos de cronistas. Que mais não seja porque um cronista vive
rarissimamente da sua colaboração pontual nos média : os dedos de uma mão
deverão ser suficientes para contar o número dos cronistas de luxo que, em
Portugal, poderiam viver unicamente das receitas provenientes de um jornal.
Porque a principal ocupação de um cronista exterior à redação não é essa, mas
sim a ligada ao seu verdadeiro estatuto profissional, de onde provem aliás a
maior parte das suas receitas. Possam embora a supressão das provenientes dos
média provocar uma diferença substancial no orçamento pessoal.
Não é porém esta nova situação financeira
desfavorável que suscita a atual agitação nas chamadas redes sociais. Mas sim o
facto de recentes como anteriores despedimentos levarem vítimas deles, assim
como amigos, leitores, ouvintes ou espectadores, a evocarem muitas vezes atos
de “censura”, de “caça às bruxas” ou de “insuportável” viragem política do
média. Quando boa parte das vezes nem sequer é disso que se trata…
A realidade dos factos é que os jornais
(impressos, radiofónicos, televisivos ou digitais) têm proprietários. E em
Portugal, como nos outros países europeus, quem manda num jornal são os seus
proprietários, com aquelas exceções em que rádios, televisões e sítios de
serviço público de que o Estado é in fine
o proprietário, não podendo este geralmente agir soberanamente, a seu belo
prazer. São eles pois que designam diretores de redação, como diretores de
administração, possa embora haver processos de consulta e voto dos jornalistas e
dos outros membros do pessoal.
Ora, todo e qualquer novo diretor de uma
redação tem o direito de impor a sua marca ao jornal que passou a dirigir. De
maneira mais ou menos suave e progressiva (como é estrategicamente aconselhável)
ou de maneira mais brusca e radical (o que é na maioria dos casos pouco desejável,
até porque suscetível de provocar reações de desconcerto do público). E uma das
iniciativas mais habituais é a de restruturar os serviços e as chefias da
redação, assim como a de redistribuir os “pelouros” que cada redator deverá
doravante assumir.
Outra das iniciativas habituais, e que
intervêm geralmente num segundo tempo, é a de recompor a equipa de colaboradores
exteriores. Convidando novos colaboradores de que se aprecia a produção pela originalidade
temática, a elegância da escrita, o posicionamento social, político ou cultural,
considerando-os uma mais valia para o jornal. Afastando outros habituais colaboradores
pouco ao gosto da nova direção, porque os temas geralmente propostos não lhe
dão satisfação, porque a qualidade da escrita lhe parece deficiente, ou porque
orientação ideológica dos textos não lhe agrada, estimando mesmo que entram em
conflito direto com o novo projeto de jornal.
De modo algum se trata aqui de avaliar as
qualidades da produção dos colaboradores dispensados nas últimas vagas no Diário de Notícias ou no Público, até porque todos eles contavam
com admiradores e fiéis leitores. Mas estes dois jornais têm desde há poucos
meses novos diretores escolhidos pelas sociedades editoras e eles próprios
constituíram novas equipas de direção. Que estas repensem os conteúdos (o que é
perfeitamente visível nos dois casos) e reformulem as equipas de colaboradores,
são decisões que fazem parte das prerrogativas normais de uma direção. Que haja
leitores descontentes é também perfeitamente normal e isso acontece sempre
quando um jornal dispensa um cronista, seja ele qual for. E é naturalmente
compreensível e perfeitamente humano que os que foram dispensados experimentem
momentos de decepção, de tristeza e de raiva.
Por regra, na maior parte dos casos, o
reposicionamento editorial de um jornal traduz uma reorientação da sua
sensibilidade sociocultural e política. E isso até parece ser sensível no caso
do Diário de Notícias e é-o de
maneira mais notória no caso do Público.
Mas não se abuse da noção de censura que tem em Portugal uma história
particularmente sinistra e que, à primeira vista, nem parece ser claramente pertinente
nas recentes ocorrências [1]…
[1] Ver a este propósito J.-M. Nobre-Correia,
« Uma indesejável confusão », in Notas
de Circunstância 2, 30 de julho de 2015.
J.-M. Nobre-Correia, “O outro pilar da repressão”,
in JL Jornal de Letras, Lisboa, 17 de
agosto de 2016, republicado in Notas de
Circunstância 2, 17 de agosto de 2016.
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