Um paroquialismo indesejável
J.-M. Nobre-Correia
Média : Há maneiras de escrever na imprensa portuguesa, e nomeadamente pelos
chamados “comentadores”, que põem em evidência o que a separa fundamentalmente
das suas congéneres europeias…
Vicente Jorge Silva tem o nome já gravado
na história contemporânea da imprensa portuguesa. Porque esteve na origem do
relançamento do Comércio do Funchal que,
em tempos de salazarismo, passou a ter evidente audiência em meios jovens e
intelectuais do continente. Porque criou a “Revista” do Expresso, onde a reportagem e a investigação passaram a fazer parte
do jornalismo português. Porque lançou o Público,
que constituiu uma lufada de ar fresco e inovador na imprensa nacional.
Hélas
!, trois fois hélas !,
Silva dá-nos hoje no Público — a que
regressou e onde é agora titular da última página das edições de domingo — uma triste
ilustração do que há de paroquial no jornalismo deste país. Pela boa razão que
a função de Silva, neste caso concreto, é ser cronista ou analista. Ora, em
qualquer dos casos, um jornalista não escreve “cartas abertas” a um chefe de Estado.
Muito menos se dirige a ele em termos de “caro amigo”, de “caro Marcelo”, de “você”.
E nem sequer termina o seu texto (crónica ?, análise ?) com um “afectuosamente
seu, Vicente”…
A função de uma crónica ou de uma análise,
com preocupações estilísticas de escrita eventualmente diferentes, é de fazer compreender
aos leitores o que (no caso do tema de hoje) há de desfasado na atitude do
chefe de Estado e de menos incisivo na posição assumida por ele perante Donald
Trump. Com as desejáveis serenidade de tom e devida distância em relação à
pessoa e aos temas de que trata o texto.
Adotando o tom que adopta, o autor põe-se
de facto ele mesmo em evidência, dizendo aos leitores que ele, Vicente Jorge
Silva, jornalista, até é amigo de Marcelo Rebelo de Sousa, primeiro personagem
do Estado. O que provavelmente, até agora, só os iniciados sabiam !
Recorde-se então aqui, mutatis mutandis, a atitude Jacques
Marchand, quando era director do diário desportivo L’Équipe : “Tomando conhecimento da nomeação como secretário de
Estado do ‘spinter’ Roger Bambuck, que conhecia particularmente bem, foi dizer-lhe
educadamente que, doravante, tratá-lo-ia por Senhor ministro e por senhor
enquanto se mantivesse nestas funções” [1].
Cada um no seu estatuto, mantendo a desejável distância : noções de base que os
“comentadores” portugueses não deveriam perder de vista…
[1] Citado por François Simon, Journaliste. Dans les pas d’Hubert
Beuve-Méry, Paris, Arléa, 2005, p. 44.
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