Do desdém à breve lisonja
J.-M.
Nobre-Correia
Política :
Entre duas campanhas eleitorais, o cidadão é cuidadosamente mantido à distância
da res publica. Depois, durante
breves dias, parece quererem dar-lhe atenção, porque precisam do seu voto…
O mesmo acontece
noutros países europeus, diga-se desde já. Mas os políticos não parece darem-se
conta do que isso tudo tem de artificial, deixando um rasto de encenação falsa
aos olhos dos cidadãos.
Começam
por pôr cartazes, mais ou menos gigantescos e um pouco por todo o lado (segundo
as posses financeiras dos candidatos), poucas semanas antes das eleições. Cartazes
em que a mensagem central é a foto deles próprios, acrescentando uma breve divisa
(um slogan) quantas vezes vazia de conteúdo real.
Depois,
já em plena campanha eleitoral, põem-se a meter nas caixas do correio uns
desdobráveis em que se atribuem amiúde estatutos socioprofissionais espantosos
e avançam propostas de ação mirabolantes e até irrealistas. Organizam depois
uma reuniõezitas à pressa em que espalham muitos sorrisos e abraços, pronunciam
algumas palavras de circunstância e até se põem à escuta das “pertinentes”
intervenções dos presentes. E, lá mais para o fim da campanha, começam a
percorrer ruas, festas, instituições e cafés, distribuindo a torto e a direito
mãozadas e beijinhos mesmo a quem nem sequer conhecem.
E
é aqui que está o problema. Entre duas eleições, mandatários políticos,
militantes partidários e potenciais candidatos são incapazes de proximidade com
os conterrâneos. Incapazes de os cumprimentarem, de conversarem um pouco com
eles, de trocarem impressões sobre a vida quotidiana e a gestão pública.
Incapazes de organizarem reuniões periódicas para, como mandatários, darem
conta da gestão pública e, como militantes ou futuros candidatos, discutirem
esta gestão e proporem alternativas devidamente preparadas. Incapazes portanto,
uns e outros, de implicarem regularmente os cidadãos na vida da sua terra, da
sua região, do seu país.
Países
há no entanto, por esse Europa, onde os mandatários políticos asseguram
“permanências sociais”, geralmente durante o fim de semana, para poderem estar
à escuta dos eleitores e procurarem resolver problemas a que estes estão
confrontados. Há quem os critique acusando-os de “clientelismo” e é verdade que
isso até acontece. Mas o facto é que tais permanências se traduzem num contacto
real entre responsáveis da coisa pública (da res publica) e simples cidadãos periodicamente chamados a serem
eleitores.
Daqueles
que elegeu, o cidadão espera explicações sobre projetos e decisões. Mas espera
também poder ser consultado regularmente, nomeadamente no que diz respeito a
iniciativas que delinearão o futuro da sua terra, da sua região e do seu país.
E não é ignorando-o entre dois períodos eleitorais que depois o cidadão poderá
dar crédito aos que só se lembram em véspera de eleições que afinal o dito
cidadão até existe e poderá votar.
É
verdade que o que acontece em Portugal acontece também noutros países europeus.
Mas não há então que admirar se, cá como lá, há uma taxa de abstenção cada vez
maior nas diversas eleições locais, regionais, nacionais ou presidenciais. Ou se
as sondagens sobre o mundo da política e dos políticos dão resultados tão desastrosamente
negativos. Sinais por demais inquietantes sobre a crise de democracias cada vez
mais formais, puramente formais…
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