O erro do descendente
J.-M.
Nobre-Correia
Política :
Felipe Borbón fez ontem um discurso em que provou a sua inaptidão para assumir
as funções de chefe de Estado…
Quem viveu toda a vida profissional e quase toda a vida de adulto numa monarquia sabe de maneira muito clara duas coisas. A primeira é que príncipes e principezinhos podem ser mentecaptos, não conseguirem ter sucesso no ensino “normal” (e é uma delícia ouvir falar antigos professores deles !), mas acabarão a maior parte das vezes por obter um “canudo” numa universidade estado-unidense privada qualquer. Como acabarão sempre por ostentar uma série de condecorações em fardas militares (por vezes de mais do que uma “arma”), quando nem sequer fizeram qualquer serviço militar regular. Como acabarão por ter uma “lista civil” que lhe dará um salário mensal de umas boas dezenas de milhares de euros, embora não trabalhem, não façam nada, à parte umas viagens e uma presenças puramente simbólicas em mundanidades oficiais.
Mas,
segundo ponto, o cidadão que viveu em monarquia sabe também que príncipes ou
reis não podem ter publicamente opinião sobre nada. Que têm que ser
unanimistas, inodoros e incolores. E que, na melhor das hipóteses, quando têm
mesmo que botar discurso, se limitarão a declarações passe-partout, de que ninguém discordará. Declarações por ocasião
da festa nacional, do Natal ou do Ano Novo, de uma ou outra comemoração de data
histórica, ou de qualquer grande acontecimento trágico nacional.
Ora,
Felipe Borbón fez ontem uma declaração que prova que não percebeu estes
princípios essenciais (e é significativo que o maior diário de Bruxelas, Le Soir, tenha escrito hoje que, na
Bélgica, Philippe de Saxe Cobourg não poderia fazer o mesmo discurso). Que
fazendo as declarações agressivas que fez em relação à Catalunha e aos catalães,
mais não fez do que acentuar os sentimentos independentistas e republicanos destes.
E não só : gente haverá por toda a Espanha que terá sentido um sério reforçar
das suas convicções republicanas.
Ser
chefe de Estado única e exclusivamente porque se é descendente de quem foi
entronizado por um ditador (e foi-o contra o seu pai e apenas porque era neto
da quem era) não prova que se disponha da inteligência, da cultura e da
sensibilidade política indispensáveis para assumir a chefia de um Estado
complexo que, como escrevia há muitos anos o sociólogo francês Henri Mendras, é
o último império existente na Europa. Um império que está a dar sérios sinais
de desmembramento…
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