Dos pequenos potentados locais…
J.-M. Nobre-Correia
Política : Consideram-se donos-disto-tudo e acham que podem viver em total
impunidade, praticando à ligeira uma singular arbitrariedade sem deverem
prestar contas a ninguém…
Viver no Portugal “do interior” é de certo
modo uma punição. É viver num país de segunda ou mesmo de terceira ordem. Longe
dos grandes estabelecimentos públicos e privados de assistência médica do
Porto, de Coimbra ou de Lisboa. Longe das escolas secundárias, superiores e
universitárias de prestígio da faixa litoral Norte-Centro. Longe da generosa oferta
em matéria de cultura e de lazeres largamente centrada em Lisboa.
Viver no Portugal “de baixa densidade” é
pois sentir-se marginalizado. É ver-se automaticamente considerado pelas gentes
do Portugal “de alta densidade” (ou da anti-“baixa densidade”) como cidadãos de
segunda categoria. Como indivíduos que pouco ou nada contam nas decisões sobre
os destinos do país (e as vagas de incêndios do verão e do outono passados
puseram em evidência a ignorância das gentes da “capital do império” em relação
a este Portugal “do interior”).
Mas, atenção, há quem vivendo neste
Portugal “de baixa densidade” tire largamente proveito de uma tal situação e
viva de certo modo numa larga impunidade. Fazendo das instituições como dos
bens públicos a sua coisa privada. Assumindo funções institucionais
considerando que não tem que dar satisfações aos cidadãos sobre as
desenvolturas, as irregularidades e até mesmo as ilegalidades dos seus
procedimentos, da sua maneira de agir.
Claro, tudo isto é possível porque os
“senhores da terra” vivem longe das associações socioculturais de peso, das
estruturas dirigentes políticas ou sindicais, dos média capazes de exercerem a
desejável função de contrapoder. No Portugal “de alta densidade”, teriam
grandes probabilidades de serem rapidamente denunciados. Após o que teriam
muito possivelmente que pôr fim a tais arbitrariedades e abusos.
No Portugal “do interior”, a casta dos
novos senhores e os seus mangas de alpaca gozam serenamente da impunidade.
Porque o Estado central longínquo não vê ou não quer ver. E porque, bien malgré eux, os cidadãos foram
habituados durante demasiados anos a curvar a espinha e a não agir. Enquanto
que os média locais/regionais vivem geralmente na órbita dos “senhores da
terra”, enfeudados aos poderes locais, quantas vezes mesmo controlados por
amigos que acederam à direção dos ditos média porque são sobretudo amigos
deles…
Só que, hoje em dia, mesmo os cidadãos “do
interior” já não vivem em círculo fechado [vase
clos] longe dos círculos nacionais do poder, da justiça e dos média. Muitos
vão e vêm entre mundos diferentes, nomeadamente se “têm mais mundo”. Rezem pois
aqueles que pensam ser donos-disto-tudo (e os mangas de alpaca que os acolitam
fariam bem em ouvir igualmente o conselho), para que esses que “têm mais mundo”
não decidam um belo dia sacudir o coqueiro e proclamar no tal Portugal “de alta
densidade” que, em certos lugares “do interior”, os reizinhos locais vão escandalosamente
nus…
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